sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Lentes feministas para ver a ética

O que significa olhar para a ética através das lentes do feminismo? O que o feminismo teria a acrescentar às teorias morais? Que contribuição as feministas poderiam ter a uma tradição tão consagrada?

Annie Kenney and Christabel Pankhurst,
sufragistas britânicas (1908)
Como sabemos, as mulheres foram, por muito tempo – e ainda são, ainda que em menor medida – excluídas de uma série de atividades, funções, instituições e lugares que eram – e muitos ainda o são – considerados masculinos. A atividade intelectual é uma delas; dentro das atividades intelectuais, temos a filosofia; dentro da filosofia, a ética. A ética é, portanto, uma área de estudos da qual as mulheres por muito tempo foram, se não impedidas de produzir e pensar, desacreditadas e desqualificadas.

Mesmo que as coisas tenham progredido de algum tempo pra cá, e que muitas mulheres tenham condições de estudar e escrever sobre ética e quaisquer outros temas que queiram, temos de levar em conta que as teorias morais clássicas da filosofia, aquelas que qualquer estudante de graduação precisa ler, foram construídas por homens. O problema, entretanto, é que a maioria desses homens vivia em uma sociedade que excluía e inferiorizava abertamente as mulheres. Talvez o pior problema seja que quase nenhum desses teóricos pensava diferente daqueles de sua época.

Ainda assim, poderíamos conservar as teorias que esses homens produziram exatamente porque elas não têm nada a ver com questões de gênero, não é mesmo?
Bom, é aqui que colocamos nossas lentes feministas para ver que as coisas não são tão simples assim de separar.
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Mary Wollstonecraft, autora de Reivindicação dos Direitos da Mulher (1792)
Para as pensadoras da ética feminista, por mais que grande parte das teorias canônicas da ética defenda a igualdade, a uniformidade e o julgamento desinteressado, elas reproduzem e alimentam a exclusão feminina através de uma visão limitada sobre o que pode ser a moralidade.
A ética feminista tenta mostrar que certos valores apregoados como morais poderiam ser fruto de concepções limitadas do que é masculino e do que é feminino, em que o que é feminino é sempre indigno de valor. Autoras da chamada “ética do cuidado”, ao perceber esse viés, buscaram trazer elementos tradicionalmente femininos para a discussão moral, mostrando que o cuidado, a maternidade e as emoções, por exemplo, podem ser bons pontos de partida para pensar a moralidade, ao mesmo tempo em que chamaram a atenção para o fato de que os princípios universais, a imparcialidade e o cálculo da utilidade talvez não o sejam.

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Angela Davis, autora de Mulheres, Raça e Classe (1981)
Além de revisões críticas de teorias e concepções clássicas e das teorias da ética do cuidado, há uma série de subdivisões e perspectivas feministas sobre a ética bastante diversa. O nó que as amarra parece ser precisamente a insistência na não-existência de uma teoria separada do contexto, da realidade em que se vive: nossas intuições mais imediatas, nossas crenças mais enraizadas, têm origem no mundo em que vivemos, nas milhares de coisas que aprendemos, nas situações a que fomos expostos, nos discursos que têm credibilidade em nosso meio. E teorizar sobre ética requer que coloquemos em movimento todo esse mundo interno que se cria a partir de tudo o que absorvemos de fora.


E é aí que as lentes do feminismo nos ajudam a ver que muitas das coisas que pensamos ser justas e imparciais podem ser reproduções acríticas daquilo que aprendemos, e reproduzir acriticamente uma realidade opressora com alguns grupos sociais é a forma mais eficiente de alimentá-la.

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